terça-feira, 17 de fevereiro de 2015

trono de pedra

Não consigo dormir. 
Dou voltas e voltas à cama a cada mil que dou na cabeça. 
Ou só no incómodo que sinto.

Tirei a roupa e fiquei nua,

só a minha pele contra os lençóis. 

E mesmo assim sinto incómodo nesta pele que quero arrancar num ataque contido de raiva contra algo que é meu e que não quer ser. 
Que não sinto meu.

Há qualquer coisa que não está bem aqui.

Eu.
Eu não estou bem aqui.

Sinto-me intrusa de mim, um incómodo de mim em mim.

Não sei quem sou eu
ou se eu sou um estranho corpo despido de mim.
Não sei onde estou
ou se eu estou perdida num outro sítio desconhecido sem mim.
Ou cheia de mim.

Não quero dormir.

O estranho espaço em mim sem mim está cheio de monstros e terror sem fim. 
Raro é o sono passado longe desse espaço escuro e doentio. 
Rara é a noite realmente descansada. 
Raro é o tempo em mim. 
Raros são os momentos comigo encontrada em mim e não perdida de mim.

O tempo não pára, as horas passam... 
O espaço negro em mim começa a tomar conta de uma eu encontrada num vestígio de mim, 
fraca, 
mal dormida, 
sem força para lutar contra um eu tão monstruoso. 

Sei que vou dormir, 
que vou sonhar 
e que vou acordar ainda mais diminuída de mim.

Eu contra mim. 

A procura de um eu que sei existir e que não encontro. 
O arrancar de um incómodo na pele impregnada de mim.

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Acordei da noite numa queda sem fim. Abrupto final de um sonho qualquer que nem faço por lembrar.

Não interessa.

Dei por mim deitada no chão frio de pedra.

Desconfortável.

Levantei os olhos do chão e vi.

O incómodo fora-se, a pele não doía e o batimento acelerado calara-se. 
Não, 
não se acalmara. 
Calara-se.

Senti-me novamente eu, nua em mim sem espaço de outra eu que não eu mesma.

Sem incómodos a rasgar-me a pele, subi ao trono que me pertencia.

Afinal era daí que caíra durante o sonho que não queria lembrar.

Percorri o meu reino do alto da magnitude que me pertencia.

Vazio. Finalmente o vazio.
Porque tudo o que me pertence de nada visível ou material é feito. 
Porque tudo o que me pertence é de si próprio e não de mim.
E porque todo este vazio existe para me lembrar o que ainda falta conquistar.