sábado, 31 de janeiro de 2015

sem rede

Sonhei uma noite destas contigo. 
De cima caíam gotas cheias de mim. 

Passeava numa falésia em pequenos passos, com medo de cair e com a certeza que o queria fazer. 
Percorri-a uma vez sem olhar para baixo, sem querer saber o que me atormentava. Voltei a percorre-la a olhar os meus pés, que se encarceravam em mim, lentamente sob o meu olhar.
E então olhei para o fundo da falésia e não consegui andar. 
Era tão assustador e tão tentador. 

Sabia que ia cair se a voltasse a percorrer 
mas não resisti, 

queria ver o fundo, 
queria saber como ia ser,
queria largar o mundo 
e libertar-me de mim. 

Lembro-me de andar para trás, de me afastar da falésia.

Lembro-me de olhar para os restos de mim a cair do céu fortemente, 
a impedir-me de ir, 
a manter-me em mim. 

Lembro-me de começar a correr, do ímpeto cada vez mais perto. 

Libertei-me de mim e voei. 

Vi o fundo mais perto, de uma beleza atroz cada vez mais nítida. 

Sei que não me fechei em mim. 
Sei que queria sentir em pleno o impacto. 

Não consegui. 

Acordei sem saber.


segunda-feira, 19 de janeiro de 2015

desconcerto verbal

Deixa-me gostar de ti aos pedacinhos, como quem não quer a coisa. E não quero, sabes bem. Mas deixa-me ir devagarinho e não faças perguntas. Não me apresses os passos mas não mos atabalhoes com atacadores atados. É que eu estou tão bem assim, sem destino onde ir, na certeza do meu caminho. Como estava... Ou talvez não.
Apareceste tu, uma reviravolta de cambalhota e meia, confiante da tua razão mas a querer saber a minha.

Eu sei que dou passos maiores que eu, que volto atrás muitas vezes antes de dar um tão grande como o anterior. Mas isso é porque quero e não quero e nem sei como querer. 

Parece tão errado querer, querer-te mesmo em passos pequeninos como eu dou, meio a sério meio a medo.

E tu não sabes, ou sabes mas não queres saber, que eu tenho muito medo de gostar e de querer e de precisar. 
Verbos conjugados para pessoas assustam-me. E se não ha uma conjugação verbal para mim?! Fico ali de verbo conjugado no ar, preso pelo meu respirar expectante e depois vem o vazio de volta e eu tenho de guardar o verbo conjugado e amachucado. 

Como o papel que não volta a estar igual.

Parece tão errado apaixonar-me, porque a paixão implica loucura, descontrolo, infinitos de tempos finitos. E se eu me descontrolo e se deslizo pelo gelo por mim só e embato de frente contra uma parede?

Parece tão errado deixar-te ir, não fincar o pé e lutar pelo que quero. E se eu fincar o pé e tu te deixares ir por alguma brisa mais forte?

Parece tudo tão errado quanto certo e eu quero e não quero tudo.